Curitiba — O lançamento do novo marco regulatório do ensino a distância (EaD) foi adiado pela terceira vez em 2025 e pela quinta vez desde que foi anunciado, em 2024. O documento seria lançado no 30º Congresso Internacional Abed de Educação a Distância (Ciaed) e estabeleceria padrões de funcionamento para o EaD nos institutos superiores brasileiros.
Antes de maio, o documento estava previsto para sair em 10 de abril, mas, inicialmente, sairia em março deste ano. Em junho de 2024, o Ministério da Educação (MEC) publicou a Portaria nº 528, estabelecendo o prazo de 31 de dezembro para aquele ano, com objetivo de elaborar novos referenciais de qualidade para os cursos a distância.
Além de estabelecer padrões para a educação a distância, o documento visa modernizar as diretrizes da modalidade, cuja última revisão foi em 2017, disponibilizando melhores condições para alunos, professores e instituições, como maior segurança jurídica.
Segundo a última edição do Censo escolar, em 2023, as instituições de ensino superior ofertaram mais de 19 milhões de vagas de EaD, enquanto as vagas presenciais representaram pouco mais de 5,5 milhões. Além disso, o MEC constatou que, dos 5.570 municípios do Brasil, 3.392 têm estudantes matriculados em cursos da modalidade.
“Os municípios com EaD reúnem mais de 90% da população brasileira, o que demonstra o potencial que essa modalidade de ensino tem de chegar a todo o país, principalmente nas regiões mais remotas”, defende João Mattar, presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).
Expectativas
Em novembro de 2024, o MEC publicou documento de revisão do marco regulatório, que mostra as regras já existentes. Mesmo sem o lançamento oficial, Mattar explica que a tendência é tornar alguns cursos para o modelo semipresencial, mas totalmente presencial para outros, como enfermagem.
“Pode ser que tenham atividades presenciais e a distância, mas com controle. Não sabemos muito bem como o semipresencial vai significar, por exemplo, quantos por cento de atividades presenciais e à distância o curso tem que adotar. Quando falamos em curso 100% à distância, nunca é, porque mesmo todo curso à distância tem obrigação de ter atividades presenciais, como prova, estágio e extensão.”
Impacto
João Mattar acredita que a mudança para o semipresencial pode tornar a permanência difícil para os estudantes, que precisarão conciliar os estudos com o trabalho e a vida familiar, o que leva muitos a desistirem. “O aluno da educação a distância normalmente tem 35 anos, trabalha, tem filho e família, escolhe esse modelo, padrão, que tem variações e permite flexibilidade”, explica.
Para João Vianney, especialista em EaD, a modalidade mudou o perfil do estudante do ensino superior, possibilitando que pessoas de comunidades socialmente marginalizadas pudessem estudar e ter perspectiva profissional. “Há 30 anos, o pobre não entrava na universidade, a não ser como trabalhador, e conseguimos mudar para ele entrar como estudante e fazer a carreira. Isso ocorreu não só nas grandes cidades, mas nas periferias, pequenas e médias cidades, populações ribeirinhas, aldeias indígenas e os quilombolas.”
Além disso, ele cita 10 consequências principais em relação ao marco regulatório, como: a redução da inclusão social e a ascensão profissional; prejudica o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de cidades pequenas, menos acesso e diversidade; comunidades Indígenas, quilombolas e ribeirinhas e pequenas cidades ficam excluídas da formação superior; prolonga o apagão docente na educação básica; menor produtividade na economia; estigma de formação de 2ª categoria para egressos da EaD; aumento de custos em institutos de ensino superior público (IES) e de mensalidades nas IES privadas; flexibilidade menor afasta o aluno-trabalhador de turno, os embarcados, a mãe-solo e outros impedimentos; ridiculariza a imagem do país no exterior, por neludismo tardio e o isolamento acadêmico de lES brasileiras.
Vianney acrescenta que, hoje, dos 4 milhões de novos alunos que entram no ensino superior a cada ano, 3 milhões são da educação a distância e com o perfil diferente, o que indica uma revolução não só na cidade pequena, como nas populações isoladas. “Antes do EaD, municípios muito pequenos não tinham nenhuma formação ou disponibilizavam só alguns cursos, como administração, pedagogia e direito. Hoje, qualquer cidade pequena tem 50 cursos à disposição.”
Consequências
Para Mattar, presidente da Abed, o atraso na divulgação do relatório prejudica não só a falta de direcionamento para o Ead, mas também o funcionamento da modalidade, uma vez que nenhuma instituição pode pedir cadastramento para oferecer o curso. “Nenhuma instituição que tem cadastro pode criar novos cursos se não há autorização para criar novos polos e vagas. Então todos têm expectativa”, explica.
Com incerteza de sua edição, a conselheira do Conselho Nacional de Educação (CNE) Elizabeth Guedes não tem expectativas além do que já é conhecido. “Esperamos que ele seja editado e que não venha mais rigoroso que o MEC vem anunciando, porque, de fato, isso inviabilizaria um grande número de programas de ensino a distância e afastaria da escola muitos meninos e adultos que hoje estudam”, afirma.
Para a ela, mesmo com a necessidade da regulação, as medidas não precisam de rigidez excessiva. “Não podemos sair de uma liberação geral para uma restrição grande, porque isso vai impactar o nível de aprendizagem dos alunos, a credibilidade da forma de entrega de conteúdo. Enfim, vai ser muito ruim se esse decreto for muito restritivo, e não há nenhuma expectativa de que isso ocorra, defende.
*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá
*Lara Costa viajou a convite da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed)
Fonte: Correio Braziliense
Foto capa: Marco Antônio