De um lado estão os que defendem a revogação, do outro, aqueles que querem só ajustes; no meio estão estudantes e educadores que não foram consultados
Criado por Medida Provisória durante o governo Temer, o denominado “novo ensino médio” é alvo de discussão entre um grupo que entende que o mesmo nasceu com problemas insanáveis e deve ser revogado integralmente e outro que acredita que o modelo ainda não foi implementado e pode ser ajustado. No meio disso estão os estudantes e os educadores, até hoje não consultados.
O principal não foi posto à mesa pelos dois lados em disputa: o que colocar no lugar, em caso de revogação? Quais os ajustes necessários em caso de manutenção?
A nova organização do ensino médio prevê um núcleo básico comum a todos os estudantes, dividido em quatro áreas de conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas e sociais) que ocupam 60% da carga horária dos três anos do ensino médio, e os itinerários formativos, que correspondem a 40% da carga horária e são compostos por disciplinas optativas, com o objetivo de permitir ao estudante escolher aprofundar-se em uma das quatro áreas do conhecimento ou ainda pela formação técnica profissional.
Passados seis anos, as escolas particulares se organizaram de acordo com os interesses da comunidade que atendem e as unidades do sistema S articularam o currículo das escolas do Sesi com a formação técnica do Senai de forma presencial, mas a implantação nas escolas públicas, responsáveis por 85% das matrículas, parece frágil, dadas as dificuldades de implementação.
Embora não haja um diagnóstico nacional sobre a implantação do novo ensino médio, as notícias não são animadoras, com casos de uso de materiais provenientes de livros de autoajuda, restrição de itinerários formativos à disposição dos estudantes apenas à área de humanas, fragmentação do currículo em múltiplas disciplinas sem a devida integração entre as mesmas e o núcleo básico, atribuição de aulas a professores sem formação prévia e o uso de ensino a distância (EAD) sem a devida regulação, algo que seria impensável em uma escola particular de bom nível. Há também incompatibilidade entre o número de horas proposto e a organização do ensino noturno.
Entendo que o caminho da revogação não é adequado, no entanto algumas ações são urgentes. O MEC (Ministério da Educação) tomou a primeira delas ao propor um diálogo amplo com secretários de educação, estudantes, educadores, universidades e organizações vinculadas à educação, mas outras medidas poderiam ser tomadas, até mesmo para enriquecer o diálogo proposto.
É fundamental iniciar já um diagnóstico amplo sobre o atual estágio da reforma para que saibamos se o direito de escolha dos estudantes de cada estado está ou não garantido, se há professores formados para as disciplinas existentes, se há integração curricular entre o núcleo básico e os itinerários formativos e se, na forma como proposta, a formação básica não exclui conhecimentos essenciais aos estudantes. Deve-se também levantar as melhores práticas nas redes públicas.
O cronograma de implantação definido pelo governo Bolsonaro deveria ser revisto, em especial o novo Enem. Se o MEC vai ouvir a sociedade para propor eventuais correções de rumo, seria melhor aguardar as mesmas para elaborar sua avaliação. Também é necessário avançar na regulação do EAD, na definição de uma carga mínima para as áreas de conhecimento previstas na Base Nacional Comum Curricular e na melhor definição do arcabouço dos itinerários formativos, que, segundo levantamento desta Folha, chega a mais de 1.500 disciplinas distintas.
Avaliar e corrigir rumos de políticas públicas é uma obrigação de qualquer governo. Que seja esse o caminho escolhido pelo MEC e não o de juiz de paz de narrativas antagônicas.
Fonte: Folha de S.Paulo