Baixo incentivo financeiro, falta de direitos e má absorção no mercado de trabalho provocam abandono dos programas, o que impacta a produção científica e tecnológica do país
Por Júlia Giusti* — As condições de estudo e trabalho de pesquisadores da pós-graduação stricto sensu no Brasil, o que inclui mestrado e doutorado, são precárias e estimulam a evasão. É o que apontam especialistas, que avaliam que os principais fatores que levam ao abandono dos programas são valores insuficientes das bolsas de pesquisa, falta de direitos sociais, como aposentadoria, e má absorção desses profissionais no mercado de trabalho após a conclusão dos cursos.
Esse cenário de evasão da pós-graduação gera impactos na produção científica do país, que, segundo dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), é realizada por mestrandos e doutorandos em 90% dos casos.
O assunto foi debatido na Comissão de Educação do Senado, em março, a pedido da senadora Teresa Leitão (PT-PE), que destaca a necessidade de “investimento financeiro, políticas de aprimoramento da pós-graduação e melhores condições de estudos para execução da pesquisa”.
Em 2023, as bolsas de mestrado e doutorado da Capes e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foram reajustadas. Os valores, que estavam congelados desde 2013, sofreram aumento de 40%. Com isso, bolsas de mestrado passaram de R$ 1.500 para R$ 2.100, enquanto as de doutorado subiram de R$ 2.200 para R$ 3.100.
O orçamento da Capes em 2023 foi 50% maior do que em 2022. No primeiro ano do atual governo, a agência investiu R$ 5,4 bilhões na pós-graduação e em programas de formação de professores. No ano anterior, os valores totalizaram R$ 3,6 bilhões.
Para o presidente do Fórum Nacional de Pró-reitores de Pesquisa e Pós-graduação das Instituições de Ensino Superior Brasileiras (Foprop), Charles Santos, os reajustes foram indispensáveis para a valorização das pesquisas, mas são insuficientes para garantir atratividade de novos talentos. “Uma década sem qualquer reajuste de bolsas era uma condição inaceitável e precisava ser urgentemente resolvida sob o risco de a pós-graduação perder boa parte da atração que ainda tinha junto aos graduandos e graduandas no Brasil. Ainda assim, os novos valores não cobrem todas as perdas inflacionárias entre 2013 e 2023, e uma política de reajuste periódico precisa ser considerada”, afirma.
Luís Henrique Belém, de 25 anos, é mestrando em ciências sociais na Universidade de Brasília (UnB) desde 2022, pesquisando política social. Tendo as bolsas como única fonte de renda, ele fala que os reajustes não são suficientes para garantir a subsistência dos pesquisadores: “O aumento não cobre o custo de vida que temos nos estados brasileiros, o que impacta de forma drástica nas nossas condições de vida e de trabalho enquanto pesquisadores”.
O assunto foi debatido na Comissão de Educação do Senado, em março, a pedido da senadora Teresa Leitão (PT-PE), que destaca a necessidade de “investimento financeiro, políticas de aprimoramento da pós-graduação e melhores condições de estudos para execução da pesquisa”.
Em 2023, as bolsas de mestrado e doutorado da Capes e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foram reajustadas. Os valores, que estavam congelados desde 2013, sofreram aumento de 40%. Com isso, bolsas de mestrado passaram de R$ 1.500 para R$ 2.100, enquanto as de doutorado subiram de R$ 2.200 para R$ 3.100.
O orçamento da Capes em 2023 foi 50% maior do que em 2022. No primeiro ano do atual governo, a agência investiu R$ 5,4 bilhões na pós-graduação e em programas de formação de professores. No ano anterior, os valores totalizaram R$ 3,6 bilhões.
Para o presidente do Fórum Nacional de Pró-reitores de Pesquisa e Pós-graduação das Instituições de Ensino Superior Brasileiras (Foprop), Charles Santos, os reajustes foram indispensáveis para a valorização das pesquisas, mas são insuficientes para garantir atratividade de novos talentos. “Uma década sem qualquer reajuste de bolsas era uma condição inaceitável e precisava ser urgentemente resolvida sob o risco de a pós-graduação perder boa parte da atração que ainda tinha junto aos graduandos e graduandas no Brasil. Ainda assim, os novos valores não cobrem todas as perdas inflacionárias entre 2013 e 2023, e uma política de reajuste periódico precisa ser considerada”, afirma.
Luís Henrique Belém, de 25 anos, é mestrando em ciências sociais na Universidade de Brasília (UnB) desde 2022, pesquisando política social. Tendo as bolsas como única fonte de renda, ele fala que os reajustes não são suficientes para garantir a subsistência dos pesquisadores: “O aumento não cobre o custo de vida que temos nos estados brasileiros, o que impacta de forma drástica nas nossas condições de vida e de trabalho enquanto pesquisadores”.
Alexandra Martins, 28 anos, acabou de defender sua tese de doutorado em ecologia na UnB. Ela ingressou na pós-graduação em 2017 para o mestrado e conta que a questão das bolsas pesou mais durante a pandemia: “A pesquisa não pode parar, mas na pandemia, como ia fazer se eu ou alguém da minha família ficasse doente?”. Nesse período, a Capes prorrogou bolsas em até seis meses, mas Alexandra não teve o pedido atendido a tempo e passou dois meses sem receber. “A minha sorte é que morava com a minha mãe, então isso aliviava um pouco, mas quando a gente fica sem a bolsa, é mais difícil para conseguir defender o projeto”.
Segundo Denise de Carvalho, presidente da Capes, o interesse em cursar mestrado e doutorado diminuiu nos últimos anos, o que foi motivado pelo baixo valor das bolsas antes dos reajustes e também pelos cortes em ciência e tecnologia entre 2019 e 2022, que chegaram a uma redução de 87%. Com aumento das bolsas e o fim da pandemia de covid-19, porém, o ingresso na pós-graduação voltou a crescer.
“Em vez de continuarem estudando, as pessoas entraram no mercado de trabalho menos qualificadas por falta de esperança de que teriam financiamento para continuar os seus estudos”, explica. “Agora, os pesquisadores ingressam com a perspectiva de que podem continuar se qualificando profissionalmente”.
Direitos
A ausência de direitos sociais de mestrandos e doutorandos é outro fator que desmotiva pesquisadores, que não possuem garantias trabalhistas, como vínculo com a previdência social. O diretor científico do CNPq, Olival Freire, pontua que existe uma “insegurança jurídica” na pós-graduação, pois a legislação brasileira não permite o recurso de contratação para contagem do tempo de contribuição, durante o desenvolvimento da pesquisa, para aposentadoria.
“Na melhor das hipóteses, um pós-graduando passa dois anos no mestrado e quatro no doutorado. Daí, ele entrará no mercado de trabalho aos 30 anos, enquanto muitos trabalhadores já estão contribuindo com a Previdência. Então, nosso atual sistema de bolsas atrasa muito a contagem do tempo para a fins de aposentadoria de um pós-graduando”, diz.
Para a Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG), a seguridade social de estudantes deve ser garantida. Vinicius Soares, presidente da associação, defende uma “cesta de direitos básicos” para os pós-graduandos. Para ele, “nada mais justo do que o próprio Estado brasileiro reconhecer a produção científica como uma condição laboral”, mas as garantias também devem incluir direitos como assistência estudantil e acesso ao restaurante universitário.
Caroline Araújo, de 27 anos, começou agora o doutorado em medicina tropical na UnB. Para ela, não possuir plano de carreira é “desesperador, é como jogar seu trabalho no lixo, em relação a uma futura aposentadoria”. Ela também se preocupa com oportunidades no mercado de trabalho: “Eu não sei se vou conseguir um trabalho, o mercado está superfaturado e muitas empresas preferem pagar por mão de obra barata e não qualificada”.
Apesar das dificuldades, ela pretende seguir na carreira acadêmica, pois seu sonho é ser pesquisadora. “Cabe a nós lutar por nossos direitos. O governo deve valorizar o nosso trabalho, porque não recebemos o que merecemos e não temos direitos trabalhistas”, afirma.
Evasão
Um dos principais motivos para evasão na pós-graduação é para ingresso no mercado de trabalho. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), quase 60% dos alunos de graduação de universidades públicas e privadas desistem do curso. Embora não se tenha dados consolidados para a pós-graduação, entidades acreditam que o cenário seja parecido.
A presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, comenta que a desvalorização do mestrado e doutorado no Brasil é decorrente da importância dada à ciência no país: “Em outras regiões do mundo, como nos Estados Unidos e na Europa, eles acreditam na relevância da ciência, o que se dá através de investimentos. No Brasil, a ciência ainda é vista como gasto”.
Para o mestrando Luís Henrique Belém, o baixo financiamento da ciência afeta mais quem está no início da carreira acadêmica. “Não há valorização das instituições públicas e também do Estado como um todo, principalmente em relação ao financiamento das nossas pesquisas e às possibilidades de ofertas concretas para que a gente possa se dedicar exclusivamente à pesquisa”, relata.
A presidente da Capes concorda e alerta: a evasão no mestrado acarreta uma baixa formação de doutores no Brasil, em comparação a outros países que investem em ciência e tecnologia. Denise comenta que, entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 38 das economias mais avançadas do mundo, a média de formação de doutores é de 1%. No Brasil, o índice é cinco vezes menor, apenas 0,2%. Com a falta de incentivos, há uma “fuga de cérebros” para fora do país, em uma tentativa de conseguir melhores oportunidades.
“Quando nós olhamos para os países desenvolvidos, aqueles que têm o maior Produto Interno Bruto, não é à toa que eles têm maior número percentual de doutores. Esses países geram e exportam alta tecnologia por intermédio das pesquisas”, diz. Ela também destaca que o país deve investir nos seus profissionais para garantir o desenvolvimento frente a outras economias: “A formação de mais doutores é fundamental para o desenvolvimento industrial”.
Para tentar reverter a tendência, o governo federal lançou, neste ano, o programa Conhecimento Brasil, de repatriação de talentos científicos e tecnológicos. A ideia é trazer de volta brasileiros que realizaram sua pós-graduação no exterior e não retornaram ao país, para trabalharem em Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs) e empresas nacionais. O foco do programa é, justamente, o desenvolvimento industrial em áreas prioritárias e na redução de assimetrias do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.
O CNPq lançará duas chamadas públicas no primeiro trimestre de 2024 para contratação de até 380 projetos com vigência de 48 meses, prorrogáveis por mais 12 meses. Serão concedidas bolsas mensais de R$ 13 mil para doutores e R$ 10 mil para mestres, além de outros direitos trabalhistas e recursos em capital e custeio para manutenção do projeto no valor de até R$ 400 mil ou visitas a centros de excelência no exterior no valor de até R$ 120 mil.
Equidade
Entre os estudantes da pós-graduação e docentes do ensino superior, existe uma predominância de brancos. A conclusão é de um levantamento feito em 2021 pelo professor Luiz Mello, da Universidade Federal de Goiás (UFG), com base em dados da Capes e do Inep. De acordo com o estudo, quase 47% dos pós-graduandos em instituições públicas se autodeclaram brancos, contra pouco mais de 10% de negros, amarelos e indígenas. A maioria é de mulheres, ocupando cerca de 54% do total de matriculados. Na docência, 53% são brancos, com predominância de homens.
Dados da revista Fapesp deste ano mostram que houve avanços na equidade de gênero na docência nos últimos 12 anos, mas o número de mulheres em bolsas de produtividade do CNPq, concedida a pesquisadores que se destacam em suas áreas de atuação, ainda é muito baixo. Segundo uma pesquisa do Parent in Science, movimento que busca igualdade na ciência para mães e pais, elas são menos de 36% dos bolsistas.
A conselheira da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) Lúcia Melo afirma que a força de trabalho nas carreiras de ciência, tecnologia e inovação pode ser ampliada com o emprego de mais mulheres nesses postos: “A gente tem um contingente feminino importante na pós-graduação ou crescente em algumas áreas, mas o emprego das mulheres na pesquisa e no desenvolvimento das empresas ainda é pequeno”. Para ela, é fundamental criar condições para atraí-las para os campos científicos, “respeitando a trajetória feminina dentro do seu papel na sociedade”.
Fonte: Correio Braziliense
Imagem de Capa: Freepik