Nomeação de Claudia Mansani Queda de Toledo para agência que cuida da pós-graduação tem causado resistência
A nova presidente da Capes, Claudia Mansani Queda de Toledo, defendeu em nota que não houve plágio em sua dissertação de mestrado. A advogada admitiu, no entanto, que há reprodução de trechos já publicados, mas que “não se referem a ideais, conceitos teóricos ou a dados experimentais”.
Segundo reportagem do jornal O Globo, a dissertação de mestrado de Toledo inclui ao menos três trechos praticamente idênticos a outra publicações, sem que houvesse citação.
“A supressão dessas passagens não altera o fundamento da dissertação ou suas conclusões”, diz nota divulgada pela Capes. A existência de plágio, defende a instituição, “pressupõe dolo, atuação deliberada, vontade de se apropriar de textos originais alheios”. O que não teria ocorrido na dissertação.
Toledo foi nomeada no último dia 15 para presidir o órgão que regula e fomenta a pós-graduação no país. A Capes é ligada ao MEC (Ministério da Educação), comandada pelo pastor Milton Ribeiro.
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, presidente Jair Bolsonaro ao lado da nova presidente da Capes, Claudia Mansani Queda de Toledo – Milton Ribeiro no Twitter
A pesquisa sob o título “O Ensino Jurídico no Brasil e o Estado Democrático de Direito – Análise Crítica do Ensino do Direito Penal” foi defendida em 2008 na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
“A dissertação de mestrado, que é um texto que reflete o grau de maturidade do pesquisador no início das etapas da pós-graduação, foi considerada apta pela banca examinadora”, diz a nota da Capes.
“As passagens do texto que foram mencionadas referem-se a elementos descritivos de elaboração de textos normativos ou planos de gestão acadêmica”, diz o órgão.
“É preciso não confundir tais situações, que são suscetíveis de ocorrer em dissertações e teses, além de outras como erro de datas, supressão de notas de rodapé ou traduções não mencionadas, com a intenção de plagiar.”
A pesquisa, argumenta a Capes, possui 62 diferentes referências bibliográficas e 76 notas de rodapé. O órgão ainda divulgou carta do professor Antonio Carlos da Ponte, orientador desse trabalho.
“Acredito que tal afirmação [de que haveria plágio] destituída de fundamento foi feita por quem não teve acesso efetivo ao seu trabalho e, tampouco, conhece os elementos caracterizadores de tal grave ataque à honra objetiva de um professor”, diz o texto do professor.
Em nota, a PUC-SP afirma que Toledo foi aluna regularmente do mestrado. “Até o presente momento, a PUC-SP não recebeu nenhum questionamento sobre qualquer atividade da egressa na Universidade”, diz o comunicado.
“A PUC-SP preza pela excelência acadêmica da produção de seus discentes. A Universidade não compactua com eventuais posturas ou ações que estejam fora da regularidade.”
O currículo considerado fraco da nova presidente da Capes tem causado reação no meio acadêmico.
“A presidente nomeada não possui uma carreira acadêmica compatível com a missão desempenhada pela Capes ao longo da existência desta tão conceituada agência de fomento”, diz carta assinada por 15 entidade cientificas, entre elas a Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação).
“A atuação de Cláudia de Toledo na formação de recursos humanos é por demais reduzida e as atividades por ela desempenhadas não mostram articulação com os demais programas financiados pela Capes”, diz a carta.
A Sociedade Brasileira de Física publicou uma nota em que pede que o ministro reveja a nomeação. ?Os reitores das três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) também divulgaram comunicado em que criticam a substituição de Benedito Guimarães Aguiar Neto, demitido do cargo por Milton Ribeiro.
A nova presidente da Capes é doutora em direito pelo Instituto Toledo de Ensino, de Bauru (SP), atualmente chamada de Centro Universitário de Bauru. Ela era reitora da instituição, que é de sua família.
Foi lá que estudou o próprio ministro da Educação —logo após assumir, Ribeiro esteve no local e foi homenageado. O ministro André Luiz Mendonça (Advocacia-Geral da União) também passou pela faculdade.
O fato de ela ter se doutorado e ter sua carreira acadêmica vinculada à instituição da própria família tem sido visto com desconfiança. A qualidade da pós-graduação de sua instituição também é ressaltada pelos críticos.
O Centro Universitário de Bauru possui um curso de pós-graduação, de Sistema Constitucional de Garantia de Direitos, o mesmo no qual a nomeada obteve seu doutorado. A última avaliação periódica da Capes, de 2017, conferiu ao programa nota 2, insuficiente para seu funcionamento.
Em uma segunda análise, o Conselho Técnico-Científico da Capes ressaltou as falhas e manteve a mesma avaliação. No entanto, a instituição conseguiu uma revisão em um último recurso, dessa vez direcionado à presidência da Capes –tanto o mestrado quanto o doutorado passaram à nota 4, como reconhecido em parecer do Conselho Nacional de Educação de fevereiro de 2020.
Em relação às manifestações da comunidade acadêmica, a Capes afirma que Toledo já entrou em contato com as sociedades científicas para esclarecimentos dos propósitos “em prol do fortalecimento da Capes”.
A nova presidente divulgou carta de intenções em que elenca dez pontos. Fazem parte dos compromissos, por exemplo, a prorrogação por 40 dias do prazo de preenchimento para a avaliação quadrienal —demanda dos programas de pós—, a manutenção desse instrumento e a simplificação para prestação de contas.
Além da oposição nos setores da universidade, Toledo também enfrenta resistência na militância de direita que apoia o governo Jair Bolsonaro (sem partido), como a Folha mostrou na última sexta-feira (16).
Parte da produção acadêmica dela tem sido identificada como de esquerda por militantes. O deputado federal Pastor Marco Feliciano (Republicanos-SP) diz que vai entregar o cargo de vice-líder do governo caso a nomeação seja mantida.
Fonte: Folha de S.Paulo