Dados dos censos e do Enem refletem a ampliação da oferta e das matrículas, mas apontam desafios na redução de desigualdades. Pesquisador do Inep é premiado por tese sobre o tema
“O aluno pobre depende inteiramente do desempenho para ingressar na educação superior. Já o acesso do estudante privilegiado socioeconomicamente é quase indiferente à nota”. A afirmação é um dos objetos de análise no trabalho do pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Adriano Senkevics. “O acesso, ao inverso: desigualdades à sombra da expansão do ensino superior brasileiro, 1991-2020” mostra, por meio de evidências científicas, que a ampliação observada nos últimos 30 anos democratizou o acesso à universidade, principalmente por meio da oferta de vagas, do número de matrículas e de programas inclusivos; mas não equiparou a proporção de jovens entre 18 e 24 anos com menor e maior renda que ingressaram e se mantiveram nos cursos de graduação.
Senkevics analisou em detalhes como se deram a expansão e as disparidades que submergiram desse processo – trabalho que lhe rendeu dois prêmios CAPES, iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, vinculada ao Ministério da Educação (MEC), que reconhece os melhores doutorados defendidos no Brasil. A tese desenvolvida pelo pesquisador no programa para doutorado da Universidade de São Paulo (USP) venceu na categoria Educação e na grande área de Humanidades, entre 1.266 inscritos. As premiações ocorreram entre agosto e novembro de 2022. No estudo, foram utilizados dados dos censos educacionais (Básico e Superior) e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), produzidos pelo Inep, em consultas realizadas por meio do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap), além de fontes como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-c), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No cenário traçado ao longo de 30 anos, ficaram evidenciadas, pelo menos, três fases distintas, no que diz respeito à inclusão de estudantes mais humildes na educação superior. Até o início dos anos 2000, quem tinha maior renda domiciliar per capita correspondia a cerca de 75% dos alunos. A partir dessa década, a participação desse público diminuiu gradativamente, abrindo espaço para pessoas de menor poder aquisitivo. Ao final da série histórica da Pnad, em 2015, os jovens mais ricos configuravam 39% do corpo de estudantes. “Um patamar elevado, sem dúvida, mas substancialmente menor do que se observava duas décadas antes”, analisa Senkevics. Nos anos seguintes, com base na Pnad-c, a presença desse grupo se estabilizou no patamar de 40%. Ao mesmo tempo, os dois quintos correspondentes à população mais humilde cresceram em importância no período, de modo que os 20% mais pobres passaram de 1,1% para 6%, e o segundo quinto com menor renda cresceu de 1,6% para 10,1%, entre 1995 e 2015. Não houve alterações importantes nos anos seguintes. Para o pesquisador, “a desigualdade segue abissal, com sub-representação dos quintos mais pobres que, em um cenário de igualdade plena, deveriam compor 40% do total de estudantes, e não 15%”, afirma.
Entretanto, ele pondera que “o processo de expansão, entremeado por políticas de inclusão, resultou na redução da magnitude dessa desigualdade, de tal maneira que se pode concluir que houve uma perda relativa de posições sociais ocupadas pelo segmento mais rico”. O estudo mostra que, no passado, as oportunidades de acesso ao ensino superior eram usufruídas, quase exclusivamente, por essa parcela da população. No entanto, “mais recentemente, essa vantagem comparativa foi reduzida pela crescente participação dos jovens dos quintos mais pobres, que, embora ainda em percentual diminuto, passaram a dividir o espaço da universidade com os de origem relativamente privilegiada”, acrescentou o pesquisador.
Mérito ou berço – O levantamento feito por Senkevics destaca o auge da política expansionista em nível de graduação, na década de 2010, quando o Brasil chegou a 8,6 milhões de matrículas e uma taxa líquida de escolarização de 25% da população entre 18 e 24 anos de idade. Nesse contexto, o pesquisador analisou o balanço entre a nota e o nível socioeconômico na transição entre os ensinos médio e superior, com o objetivo de compreender os pesos do mérito e do berço, nesse momento e na continuidade da trajetória escolar. Para isso, cruzou informações de três bases de dados administradas pelo Inep: Censo Escolar, Enem e Censo da Educação Superior. A partir de então, estabeleceu um painel de jovens egressos do ensino médio de 2012, a partir do qual cada indivíduo foi acompanhado por até cinco anos. “Há um quadro de acúmulo de vantagens ou desvantagens, a depender do estrato social, e que os privilégios socioeconômicos dos grupos abastados atuam como uma salvaguarda – uma ‘segunda chance’ – contra seus eventuais fracassos, em um fenômeno recentemente chamado de vantagens compensatórias”, afirma.
Senkevics também chama a atenção para os desafios socioeconômicos de custear as mensalidades no setor privado. “Sem subsídio público, uma parte considerável da juventude brasileira encontra-se impossibilitada de frequentar universidades particulares de prestígio, e mesmo as faculdades de massa são bancadas com árduo esforço”, diz. “A trajetória educacional dos estudantes mais ricos é menos dependente dos ganhos anteriores: eles se beneficiam de estratégias alternativas para ingresso, como custear mensalidades em faculdades privadas menos competitivas. Já entre os mais humildes, a nota importa bastante: quanto mais modesta a origem social, maior o efeito da nota sobre as chances de ingresso, de modo que, entre os mais pobres, não há saída para o sucesso na transição para o ensino superior que não passe por um (improvável) elevado desempenho”, conclui.
Pesquisa Inep – Cabe pontuar que essa matéria não tem o objetivo de esgotar as análises e reflexões ampla e concretamente embasadas no estudo. Adriano Senkevics apresentará o trabalho no projeto Pesquisa Inep, na próxima quinta-feira (10), a partir das 15h (horário de Brasília). O evento, que será realizado na sede do Instituto, contará com abertura do presidente do Inep substituto, Carlos Eduardo Moreno, do diretor de Estudos Educacionais, Luís Filipe Grochocki, e será transmitido ao vivo pelo YouTube.